terça-feira, 18 de maio de 2010

Dia da Europa: Federico García Lorca

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.

E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!

Dia da Europa: Konstantinos Cavafis

Ítaca

Quando abalares, de ida para Ítaca,
Faz votos por que seja longa a viagem,
Cheia de aventuras, cheia de experiências.
E quanto aos Lestrigões, quanto aos Ciclopes,
O irado Poséidon, não os temas,
Disso não verás nunca no caminho,
Se o teu pensar guardares alto, e uma nobre
Emoção tocar tua mente e corpo.
E nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,
Nem o fero Poséidon hás­‑de ver,
Se dentro d'alma não os transportares,
Se não tos puser a alma à tua frente.

Faz votos por que seja longa a viagem.
As manhãs de verão que sejam muitas
Em que o prazer te invada e a alegria
Ao entrares em portos nunca vistos;
Hás­‑de parar nas lojas dos fenícios
Para mercar os mais belos artigos:
Ébano, corais, âmbar, madrepérolas,
E sensuais perfumes de todas as sortes,
E quanto houver de aromas deleitosos;
Vai a muitas cidades do Egipto
Aprender e aprender com os doutores.

Ítaca guarda sempre em tua mente.
Hás­‑de lá chegar, é o teu destino.
Mas a viagem, não a apresses nunca.
Melhor será que muitos anos dure
E que já velho aportes à tua ilha
Rico do que ganhaste no caminho
Não esperando de Ítaca riquezas.

Ítaca te deu essa bela viagem.
Sem ela não te punhas a caminho.
Não tem, porém, mais nada que te dar.

E se a fores achar pobre, não te enganou.
Tão sábio te tornaste, tão experiente,
Que percebes enfim que significam Ítacas.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dia da Europa: Uma Poetisa Polaca, Wisława Szymborska

O terrorista... olha

A bomba vai explodir no bar ás treze e vinte.
São neste momento treze e dezasseis.
Alguns conseguem ainda entrar,
alguns sair.

O terrorista passou já par o outro lado da rua.
A esta distância ficará livre de perigo
e, quanto a vista, é como no cinema:

Uma mulher de casaco amarelo... entra.
Um homem de óculos escuros...sai.
Rapazes de jeans...conversam.
Treze horas, dezassete minutos e quatro segundos.
Aquele baixinho tem sorte e senta-se na vespa,
mais um tipo alto que entra.

Treze horas, dezassete minutos e quarenta segundos.
Passa uma moça de fita verde no cabelo.
Só que o autocarro oculta-a.

Treze e dezoito.
A rapariga desapareceu,
se foi bastante estúpida para entrar ou não,
isso se saberá pelas notícias.
Treze e dezanove.
Parece que ninguém entra.
Há porém um careca gordo que sai.
Mas olha, parece que procura algo nos bolsos,
faltam treze segundos para as treze e vinte,
e ele volta a entra em busca das luvas que perdeu.

São treze e vinte.
Como o tempo voa.
Deve ser agora.
Ainda não.
Sim, é agora.
A bomba... explode.

Wisława Szymborska

Dia da Europa: Mihai Eminescu, Um Poeta Romeno e Moldavo

Bosque, porque abanas...

Bosque, porque tu abanas,
Sem ventar e sem chover,
Com os ramos no chão a bater?
- E porque não abanar,
Se meu tempo está a passar!
Baixa o dia, a noite cresce
E minha rama fenece.
Sopra o vento em folha gasta
E os cantores meus afasta;
Deste lado o vento pega
-Verão foi, inverno chega.
E porque não me dobrar,
Se as aves vão abalar!
Sobre os ramos se encaminha
Longe em bandos a andorinha,
Leva meu pensar asinha
E com ela a sorte minha.
Uma a uma vão correndo,
Horizonte escurecendo,
Como instantes vão fugindo,
Suas asas sacudindo,
Me deixam desamparado,
Mirrado e desmaiado
E com a saudade a sós,
Feito eco de sua voz.

Mihai Eminescu

sexta-feira, 12 de março de 2010

Miguel Delibes (1920 - 2010)

As letras hispânicas estão de luto. Faleceu esta madrugada, aos 89 anos, o escritor espanhol Miguel Delibes. Além de escritor, desempenhou profissionalmente as funções de colunista e jornalista. Viveu toda a vida na sua cidade natal, Valhadolid, a qual se tornou um dos espaços em que decorrem as histórias que narra, transformando-se a própria cidade numa personagem. Também a sua Castela natal, Castilla y Léon, é um espaço sempre presente na obra, valorizando o escritor as suas gentes, das mais humildes às mais ilustres, a fauna e a flora da região, assim como a sua história. Era um apaixonado pelo mundo rural e pela caça e a obra reflecte esses gostos pessoais, pela forma carinhosa como os explorava.
Miguel Delibes foi uma das figuras maiores das letras espanholas do pós-guerra civil (1936-1939), membro da Real Academia Espanhola, desde o ano 1975, autor de uma vasta obra literária, de que se destaca nomeadamente O Hereje. Foi agraciado com as mais altas distinções das Letras Hispânicas: Prémio Princípe das Asturias das Letras, em 1982, Prémio Nacional das Letras Espanolas, em 1991, Prémio Cervantes, em 1993, e duas vezes Prémio Nacional de Narrativa, em 1955 e 1999, respectivamente pelas obras Diário de um Caçador e O Hereje.
Algumas das narrativas foram adaptadas ao cinema, como é o caso de Diário de un jubilado que apareceu com o título de La Pareja Perfecta (1998).

quarta-feira, 3 de março de 2010

O Menino no Espelho

PRÓLOGO

O MENINO E O HOMEM

Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panela, penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão, aquilo era uma distracção das mais excitantes.

E me divertia a valer quando uma nova goteira aparecia, o pessoal correndo para lá e para cá, e esvaziando as vasilhas que transbordavam. Os diferentes ruídos das gotas d´água retinindo no vasilhame, acompanhados do som oco dos passos em atropelo nas tábuas largas do chão, formavam uma alegre melodia, ás vezes enriquecida pelas sonoras pancadas do relógio de parede dando horas.

Passado o temporal, meu pai subia ao forro da casa pelo alçapão, o mesmo que usávamos como entrada para a reunião da nossa sociedade secreta. Depois de examinar o telhado, descia, aborrecido. Não conseguia descobrir sequer uma telha quebrada, por onde pudesse penetrar tanta água da chuva, como invariavelmente acontecia. Um mistério a mais, naquela casa cheia de mistérios.

O maior, porém, ainda estava por se manifestar.

Fernando Sabino, in O Menino no Espelho

Obrigações de Caixote

Foram, dirigiram-se á tal casa. Em manada, ngo-ngo-ngo, bateram aporta. O residente confirmou, tinha dado o9s livros ao pedinte. Explicava-se em termos, quando, de repente, proclamou um pranto:

Não me tragam os livros de volta, por amor de Deus!

Dava pena: o homem, ainda de pijama, molhando as flanelas, os visitantes lhe consolaram, absurdo personagem que ansiava o desaparecimento de seus bens. Não declarava ele, vocês é que não entendem. Enchi estantes e estantes com tais literaturas. Nunca li quase nenhum. Agora me quis livrar deles. Mandei 15 caixotes para as tabacarias. Todos vieram de volta, os tabanqueiros disseram que o produto não tinha já nenhuma venda. A propósito, nenhum dos excelentíssimos está interessado em levar alguns livrinhos? É de graça, um caixote sem mais obrigações. Ninguém quer? Então, senhores, porque se vão embora, assim com essa pressa? É só um caixotinho, só unzinho …

Mia Couto, in Cronicando

Capitães de Areia

AS AVENTURAS SINISTRAS DOS «CAPITÃES DA AREIA» - A CIDADE INFESTADA POR CRIANÇAS QUE VIVEM DO FURTO – URGE UMA PROVIDÊNCIA DO JUIZ DE MENORES E DO CHEFE DE POLÍCIA – ONTEM HOUVE MAIS UM ASSALTO

Já por várias vezes o nosso jornal, que é sem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana, tem trazido notícias sobre a actividade criminosa dos «Capitães da Areia», nome pelo qual é conhecido o grupo de meninos assaltantes e ladrões que infestam a nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram à tenebrosa carreira do crime não tem moradia certa ou pelo menos a sua moradia ainda não foi localizada. Como também ainda não foi localizado o local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários, fazendo jus a uma imediata providência do Juiz de Menores e do dr. Chefe de Polícia.

Esse bando que vive da rapina se compõe, pelo que se sabe, de um número superior a 100 crianças das mais diversas idades, indo desde os 8 aos 16 anos. Crianças que, naturalmente devido ao desprezo dado á sua educação por pais pouco servidos de sentimentos cristãos, se entregaram no verdor dos anos a uma vida criminosa. São chamados de «Capitães da Areia» porque o cais é o seu quartel-general. E têm por comandante um molecote dos seus 14 anos, que é o méis terrível de todos, não só ladrão, como já autor de um crime de ferimentos graves, praticado na tarde de ontem. Infelizmente a identidade deste chefe é desconhecida.

O que se faz necessário é uma grande providência da polícia e do juizado de menores no sentido da extinção desse bando e para que recolham esses precoces criminosas, que já não deixam a cidade dormir em paz o seu sono tão merecido, aos institutos de reforma de crianças ou às prisões. Passemos agora a relatar o assalto de ontem, do qual foi vítima um honrado comerciante da nossa praça, que teve sua residência furtada em mais de um conto de réis e um seu empregado ferido pelo desalmado chefe dessa malta de jovens bandidos.

Jorge Amado, in Capitães de Areia

Era uma montanha como as outras

Tinha formas arredondadas, como todas, as montanhas já velhas, muito batidas pelos ventos. Tinha vales pouco profundos, por onde corria um regato que nascia no cume mais alto e descia em múltiplas curvas até á planície. Aí recebia água de outros riachos, nascidos noutras montanhas, e virava rio grande. Mas isso já era longe da nossa montanha, não entra na estória. Aqui era mesmo só um regato de água límpida, saltitante entre os rochedos, lambendo as raízes das árvores que cresciam nas árvores. Toda a montanha estava coberta por vegetação: árvores grandes como a mafumeira, a mulemba ou a amoeira de tronco banco, e também as de frutas silvestres. No chão se misturavam fetos de diferentes formas e tamanhos, begónias e rosas-de-porcelana. Só num ou noutro sítio tinha capim, capim tenrinho e que não crescia muito, por causa da sombra das grandes árvores, gigantes teimosos escondendo o sol.

O clima não era muito quente, por causa da altitude. E chovia bastante, daquelas chuvadas rápidas que sem avisar nos caem em cima, embora nunca com grande violência.

A montanha tinha dois cumes principais: o cume Lupi, o mais alto, onde nascia o rio de mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio dos dois cumes havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver melhor o luar de Lua cheia; por isso era o Morro da Poesia.

Era uma montanha como todas as outras. Mas seria mesmo?

Pepetela, in A Montanha da Água Lilás

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Anúncio Publicitário à Calda de Tomate

Este anúncio publicitário à calda de tomate foi criado pelos alunos Ana Belchior, Bruno Ramos, Cláudia Teixeira e Maria Nadine Gonçalves, da turma do 7º Ano.
Este grupo concebeu um anúncio baseado num concurso