quarta-feira, 3 de março de 2010

Era uma montanha como as outras

Tinha formas arredondadas, como todas, as montanhas já velhas, muito batidas pelos ventos. Tinha vales pouco profundos, por onde corria um regato que nascia no cume mais alto e descia em múltiplas curvas até á planície. Aí recebia água de outros riachos, nascidos noutras montanhas, e virava rio grande. Mas isso já era longe da nossa montanha, não entra na estória. Aqui era mesmo só um regato de água límpida, saltitante entre os rochedos, lambendo as raízes das árvores que cresciam nas árvores. Toda a montanha estava coberta por vegetação: árvores grandes como a mafumeira, a mulemba ou a amoeira de tronco banco, e também as de frutas silvestres. No chão se misturavam fetos de diferentes formas e tamanhos, begónias e rosas-de-porcelana. Só num ou noutro sítio tinha capim, capim tenrinho e que não crescia muito, por causa da sombra das grandes árvores, gigantes teimosos escondendo o sol.

O clima não era muito quente, por causa da altitude. E chovia bastante, daquelas chuvadas rápidas que sem avisar nos caem em cima, embora nunca com grande violência.

A montanha tinha dois cumes principais: o cume Lupi, o mais alto, onde nascia o rio de mesmo nome, e o cume do Sol, no extremo oposto. No meio dos dois cumes havia um morrozito com pedras, sem plantas nem árvores, apenas capim baixo. Era o sítio mais calmo e perfumado da montanha e dali se podia ver melhor o luar de Lua cheia; por isso era o Morro da Poesia.

Era uma montanha como todas as outras. Mas seria mesmo?

Pepetela, in A Montanha da Água Lilás

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